Não é segredo que os rótulos superficiais colocados pela imprensa prejudicam a carreira de alguns artistas. Distribuídos sem responsabilidade, podem limitar o alcance de bandas, fechar portas importantes no mercado, prejudicar contratos e, em grau mais extremo, até levar o próprio artista a questionar o seu processo criativo. Odair José viveu na pele quase todos esses problemas em uma época em que a imprensa tinha muito mais poder do que tem hoje. Surgiu no rock, acostumou-se a escrever sobre temas que eram tabus, sofreu com a censura da ditadura, desagradou a mídia conservadora e ganhou dela, como revide, o rótulo de “brega”, que nada tinha a ver com a sua coleção de discos e a sua fixação por Bob Dylan.
Cansado de brigar com Deus e o mundo, Odair ou os anos 80 e 90 com o freio de mão puxado, a fim de evitar novos problemas, mas internamente alguma coisa o pedia para voltar a causar incômodo. Em 2006, o selo Allegro Discos lançou um tributo onde diversos artistas independentes reliam canções de Odair José. O trabalho fez com que um novo público olhasse para a obra do então incompreendido compositor goiano, e aquilo foi a motivação que ele precisava para voltar a ser ácido como antes. Empunhou a sua guitarra com uma gana renovada e, desde então, gravou três discos de inéditas carregados de letras diretas e despidos do medo de errar. O mais recente trabalho, Gatos e Ratos, foi lançado há pouquíssimo tempo pela distribuidora independente Canal 3.
É uma carreira extensa e complexa demais para explicar em alguns parágrafos, eu sei. Por isso mesmo fomos conversar com o próprio Odair, que falou sobre o disco novo, a sua relação estranha com a imprensa, os anos 70, a patrulha dos hipócritas sobre a sua obra e as possibilidades que surgiram em seu horizonte desde que ele se desvinculou das grandes gravadoras.
New Yeah – Gatos e Ratos, seu disco novo, fez bastante barulho na mídia especializada. Muitos alardearam o trabalho como um “abraço tardio” seu ao rock’n roll, o que é estranho, porque você é um filho da Jovem Guarda, então obviamente tem um pé no rock desde o início da carreira. Outros chamaram atenção para o fato de você ter “abandonado os temas românticos”, o que também é esquisito, porque já nos anos 70 você tocava em temas delicados como a maconha e a prostituição. Você acha que a mídia brasileira conhece pouco sobre você ou tem preguiça de se aprofundar na sua obra? Muita gente prefere tratar você como um simples ícone romântico, quando na verdade a sua obra é bem mais complexa do que isso.
Odair José – Olha… sem falsa modéstia, acho que eu sempre assustei os conservadores. Talvez por isso a maioria da mídia nunca tenha tentado retratar a minha obra de maneira mais profunda. Nunca houve também vontade o suficiente para aceitarem que o meu trabalho está e sempre esteve distante de quase tudo o que escreveram a meu respeito. Não sei se por preconceito, por falta de informação ou por medo, mas geralmente se limitaram a me adjetivar com clichês e, sinceramente, não me encaixo em nenhum desses absurdos que me colocaram como rótulo ao longo dos anos. Minhas referências sempre estiveram no rock, mesmo que muitas vezes na ausência de guitarras mais pesadas. Minhas letras e melodias, por exemplo, sempre seguiram essa linha. Aí quem não me conhece ou me conhece através da mídia obviamente estranha o disco novo, que tem guitarras presentes e temáticas sociais. Acham diferente e disruptivo. Se me conhecessem, veriam que sempre fui o mesmo: o músico de rua. O cronista que vai contra a hipocrisia.
FONTE: http://newyeah.com.br/